No pretérito dia 04 de Janeiro, foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 3/2022 que estabelece o regime de extinção de prestações tributárias, por compensação com créditos de natureza tributária, por iniciativa do contribuinte, incluindo as retenções na fonte, tributações autónomas e respetivos reembolsos, relativas a vários impostos, designadamente IRS, IRC, IVA, IS, IMI, AIMI, IMT, IS, IUC e IV, a pedido do contribuinte, mediante requerimento dirigido ao dirigente máximo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
A referida lei entrará em vigor a 01 de Julho de 2022.
Na prática, o regime estabelecido pela Lei n.º 3/2022, de 04.01, visa permitir que um contribuinte que tenha uma dívida fiscal e simultaneamente um crédito tributário (um reembolso de IVA, por exemplo) possa, a seu pedido, extinguir essa dívida, por compensação. Como consta do sumário dessa Lei, trata-se da implementação de um sistema de conta-corrente entre o contribuinte e o Estado.
As razões de justiça tributária e do cumprimento do princípio “de que o Estado se deve comportar como pessoa de bem” e, nessa medida, não dever exigir o pagamento de dívidas de quem, ele próprio, é devedor, são, sem dúvida, de aplaudir.
O regime previsto na Lei n.º 3/2022, para além de permitir diminuir o sentimento de injustiça do contribuinte devedor, mas ao mesmo tempo credor da AT, proporcionar-lhe-á a, tão desejada – principalmente em tempos de pandemia –, maior liquidez.
Mas, apesar das boas razões que subjazem à criação deste regime, não estamos perante uma autêntica inovação legislativa.
Na verdade, o artigo 40.º da Lei Geral Tributária (LGT, aprovada pelo DL n.º 398/98, 17.12) já prevê, como modalidades de extinção das obrigações tributárias, o pagamento, a dação em cumprimento e a compensação (sem prejuízo da existência de outras, como a caducidade do direito de liquidação e a prescrição da prestação).
Por sua vez, os artigos 90.º e 90.º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aquele já desde a sua primeira versão dada pelo DL n.º 433/99, de 26.10 e este desde a sua introdução pela Lei n.º 3-B/2010, 28.04, dispõem, respectivamente, que o contribuinte pode requerer a compensação com créditos tributários ou com créditos de qualquer natureza sobre a administração directa do Estado de que seja titular.
Assim, o regime “geral” já previsto na conjugação daquelas normas da LGT e do CPPT seria suficiente para o contribuinte requerer a extinção das dívidas, por compensação. Pergunta-se, pois, qual a necessidade de aprovação de uma Lei que “vem chover no molhado”.
Ora, não obstante a clareza dos citados incisos legais da LGT e do CPPT, abundam decisões judiciais a condenar a AT a operar as compensações de crédito requeridas pelos contribuintes seja porque, e na sua esmagadora maioria sem fundamento, as rejeitava, seja porque não chegava a dar sequer uma resposta ao pedido dos contribuintes. E a AT arrepiava caminho, executando e penhorando o contribuinte independentemente de, também ele, ser seu credor.,
Assim, afigura-se-nos que a aprovação da Lei n.º 3/2022, de 04.01 se impôs dada a necessidade de o próprio Estado proteger os contribuintes da AT (e, assim, dele mesmo!). Efectivamente, a única novidade desta Lei traduz-se na imposição, à AT, de deferir a compensação de créditos requerida pelo contribuinte e, ainda, a prolação de decisão sobre tal pedido, no prazo de 10 dias, sob pena de deferimento tácito. É certo que a AT pode, no prazo de um ano a contar da data em que foi requerida a compensação, intentar acção judicial visando a declaração de ineficácia da compensação mas, desta vez, o ónus transfere-se para a AT ao invés de serem os contribuintes a ter que reagir às execuções / penhoras em sede de oposição à execução fiscal / penhora.
Realmente, quando o Estado sente necessidade de proteger os seus cidadãos de condutas abusivas dos seus entes, é para se dizer: vivem-se tempos estranhos!
Andreia Teixeira de Sousa
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