É necessário reflectir (séria e verdadeiramente)…

Face ao crescendo número de casos – demasiados – o crime de violência doméstica passou a, no ano 2000, ter natureza pública. O que vem de significar que o procedimento criminal não está dependente da apresentação de uma queixa, formal ou informal, por parte da vítima, sendo apenas necessário haver uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo.

O crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou, nos casos mais graves, dos quais resulte ofensa à integridade física grave da vítima ou morte, de 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, respectivamente.

No ano 2021, a violência doméstica foi o crime mais participado (26.520 registos de participações). A 31.12.2021, encontravam-se registadas 810 condenações e 243 reclusos preventivos (208 dos quais a aguardar julgamento e 35 a aguardar trânsito em julgado de decisão proferida). 74,9 % das vítimas, são mulheres.

Já este ano, em 03.01.2022, Elsa Luz foi morta pelo marido, baleada na cabeça (Beja).

Em 27.01.2022, Aida Guterres foi morta pelo marido, a tiro de caçadeira (Vendas de Azeitão) .

Em 25.02.2022, Sandra Rocha foi morta pelo marido, estrangulada (Rio de Moinhos).

Em 28.02.2022, Silvana Moraes foi morta pelo marido, baleada (Murches).

Em 11.03.2022, Lucília Brandão foi morta pelo ex-companheiro, estrangulada e esfaqueada (Arcos de Valdevez).

Em 13.03.2022, Maria Luísa, portadora de Alzheimer, foi morta pelo marido, estrangulada (Lagos).

Em 20.03.2022, Madalena Macieirinha foi morta pelo marido, asfixiada (Tainha).

Em 08.04.2022, Marta Carvalho foi morta pelo marido, baleada na cabeça e no pescoço (Barcelos).

Em 03.05.2022, Sónia Barros foi morta pelo marido, baleada (Correlhã).

Em 04.06.2022, Celestina Barros foi morta pelo ex-companheiro, baleada (Escariz).

Em 06.06.2022, Sílvia Mendes foi morta pelo marido, baleada (Refontoura).

Em 15.06.2022, Assunção Correia foi morta pelo neto, à pancada (São Martinho).

Em 21.06.2022, Sara Barros foi morta pelo marido, baleada (Zambujal).

Em 21.06.2022, Cláudia Serra foi morta pelo ex-companheiro, atacada com um ferro e baleada (Soalhães).

Em 26.06.2022, Maria Borges foi morta pelo marido, estrangulada (Abóboda).

Em 15.07.2022, Vânia Coelho foi morta pelo marido, à facada (Rio de Mouros).

Em 19.09.2022, uma mulher foi morta pelo companheiro, degolada (Odivelas).

Em 05.10.2022, uma mulher foi morta pelo ex-companheiro, à facada e em frente aos filhos menores (Oeiras).

Estas mulheres – como milhares de outras antes delas – não chegaram a ver a Justiça a ser feita.

Muitas destas mulheres estavam já sinalizadas como vítimas de violência doméstica.

Com doentia resignação, continua a assistir-se às mortes de mulheres, às mãos dos companheiros ou ex-companheiros.

A necessidade (real) de criação de medidas de protecção eficazes das vítimas dos crimes de violência doméstica e a necessidade (real) de punição severa dos infractores é apanágio e adágio na ponta da língua de muitos.

Mas, cartazinhos colados nos postos da PSP ou GNR anunciando que a violência doméstica é crime, sem uma verdadeira sensibilização, é pura demagogia.

Mas, discursozinhos, em tempo de eleições, a pedir o reforço da protecção das vítimas de crimes de violência doméstica, sem uma verdadeira sensibilização, é pura demagogia.

A aplicação de penas pesadas sem, antes, terem sido aplicadas medidas adequadas de protecção à vítima e capazes de as defender, é pura demagogia.

Com efeito, muitas foram as alterações legislativas no sentido de reforçar a punição dos agentes. Todavia, esta abordagem punitiva, apesar de inelutavelmente importante, não tem sido dissuasora. Além do mais, vem apenas de significar que o Estado não está a ser capaz de agir antes do cometimento do crime. Limita-se a reagir. E não se ignora a importância desta reacção. Mas a vida de todas aquelas vítimas que perecem às mãos dos agressores é ainda mais importante. É preciso que os senhores magistrados sejam sensibilizados, melhor, sejam educados no sentido da protecção da vítima e não na desculpabilização do infractor.

É, por fim e de uma vez por todas, necessário reflectir, séria e verdadeiramente, as razões sociológicas (culturais, económicas, religiosas, sentimentais) que estão por trás do cometimento destes crimes e combatê-las, com tolerância zero.

 

Andreia Teixeira de Sous

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