Pensar A Direito | A vítima

A Vítima, por força da Convenção de Istambul, é Sujeito Processual do Processo Penal. Como também é o Tribunal (Juiz), o MP, o Arguido, o Assistente e o Defensor (Advogado).

Por via da Lei 130/2015, de 4 de setembro, 1) foi transposta para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, 2) aprovou-se o Estatuto da Vítima e 3) procedeu-se à alteração do Código do Processo Penal (CPP), nomeadamente com o aditamento do artigo 67.º-A.

A introdução deste artigo, com a epígrafe Vítima, criou também um novo título no Livro I da Parte I, com o mesmo nome, Vítima.

É Vítima, a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime e os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenha sofrido um dano em consequência dessa morte, como é dito na alínea a) do n.º1) e na alínea c) do n.º 2.

Por sua vez, ofendido, diz o artigo 68.º, n.º 1, al. a), é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maior de 16 anos. Este, para ser sujeito processual, tem de se constituir Assistente.

O Assistente é aquele que se considera ofendido com o ilícito penal cometido, sendo o titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, artigo 68.º n.º 1 a). A pessoa que reúna essa qualidade, querendo beneficiar do estatuto processual de Assistente, requer a sua constituição como tal no processo e, para o efeito, tem de constituir Advogado.

O artigo 68.º do CPP legitima, assim, que o ofendido seja sujeito processual. O Assistente tem o estatuto de colaborador do MP, devendo-lhe subordinação. Pode requerer e oferecer provas, contribuir para a solução a dar ao caso em concreto, deduzir acusação independente do MP, artigo 283.º e 284.º sendo que pelos mesmos factos da acusação deduzida pelo MP, no caso de crime particular a competência para a dedução de acusação é do Assistente, por força do artigo 285.º do CPP, pode requerer a abertura de instrução e pode ainda recorrer das decisões que o afetem.

Assim sendo, se é Assistente aquele que se considera ofendido com o ilícito penal cometido, e se é Vítima a pessoa singular que sofreu um dano diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime, pelo menos, para as pessoas singulares, não se revela útil fazer a distinção entre estes 2 sujeitos.

Mais, o conceito de Vítima é muito mais amplo do que o de ofendido, como se vê pelo artigo 67.º-A, nº 4, em que assistem às vítimas os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no Processo Penal, previsto no código do Processo Penal e no Estatuto da Vítima e, o n.º 5, que diz que a vítima tem o direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, ambos do artigo 67.º-A. Mais amplo é, no que concerne à idade da vítima.

Coloca-se a questão: sendo o ofendido Vítima, porque o conceito amplo de Vítima absorve o de ofendido, porque é que a Vítima necessita de se constituir Assistente para ser sujeito processual, se o artigo 67.º-A já diz que é sujeito processual? Não deveria este artigo referir que a Vítima adquire automaticamente o estatuto de Assistente?

Por outro lado, parece que a Vítima ainda não adquiriu o Estatuto enquanto sujeito processual. Veja-se o exemplo do artigo 281-º do CPP, quanto à Suspensão Provisória do Processo, em que não é referida a vítima. Esqueceu-se o legislador?

O mesmo sucede no artigo 401.º do CPP, já no âmbito dos recursos ordinários, com a epígrafe Legitimidade e interesse em agir, também parece ter-se o legislador esquecido de inserir aqui a vítima. Não tem a vítima legitimidade e interesse em agir por força do artigo 67.º-A enquanto sujeito processual? Embora, diga-se, que fazendo uma interpretação a contrario do n.º 2 deste artigo, a vítima terá interesse em agir e como tal poderá recorrer mesmo não se tendo constituído assistente (sublinhado nosso).

Será urgente que o legislador, nesta matéria, faça uma análise aturada e apurada, por forma clarificar a Vítima enquanto Sujeito Processual e, mais importante, ajudar na implementação de Politicas Públicas, que vão para além da sensibilização para a prevenção de crimes graves como o da violência doméstica.

 

Carlos Antunes Pina

Manuel Castelo-Branco

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