Em 2021, a população reclusa em Portugal ascendia a 11.588 reclusos – 10.774 reclusos do sexo masculino e 814 do sexo feminino (fonte: Relatório Anual de Segurança Interna – Ano 2021).
A taxa de reincidência em Portugal é actualmente um dado desconhecido, talvez por ser tão chocante, tendo a Provedoria da Justiça divulgado, em 2003, que 51% da população reclusa masculina era reincidente.
Muito se ouve, na voz de um país amistoso, que a prisão “é pouco para quem muito deve”. Para quem muito deve à sociedade, ao Direito e à Justiça.
A verdade é que o ordenamento jurídico português é, pelo menos no papel – ou apenas no papel –, um pai amigo que procura e anseia o bem dos seus filhos, acreditando nas segundas oportunidades e focando-se naquilo que este tem de melhor para oferecer.
Metáforas à parte, o Código Penal português prevê, no seu artigo 40º, que a aplicação das penas tem como fins a proteção do bem jurídico – aquele que foi lesado com a prática do crime – e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º/2).
A legislação penal portuguesa assenta, assim, numa lógica de prevenção: primeiramente especial, ou seja, procurando evitar que o delinquente volte a atentar contra o ordenamento jurídico; e, logo de seguida, uma ideia de prevenção geral, demonstrando à sociedade que o Direito não deixa impune quem o ofenda.
Mas será que a punição penal tem, efetivamente, alguma utilidade prática?
Vejamos.
A pena mais limitativa de direitos e liberdades é a pena de prisão, que é muito mais do que o mero enclausuramento, visando a reintegração social, a capacitação do recluso para “conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. Tão amada e odiada, excessiva para alguns e escassa para outros, um ponto de vista que varia consoante o lado das grades em que nos encontramos.
A execução da pena de prisão, prevista no artigo 42.º do Código Penal passa – ou deveria passar, claro está – pelo acompanhamento ao recluso e por um processo eficaz a munir o recluso de meios e mecanismos para se tornar num cidadão cumpridor.
Mas a prisão não faz isso e só não vê o elefante na cela (ou na sala, para quem a tem) quem não quer.
Ressalvamos, desde já, que esta reflexão se dirige tão só à punição de crimes menores, e que por aí ficariam, se não tivessem os seus autores ingressado na mais prestigiada escola de crime alguma vez criada: a cadeia.
Interessante seria comparar estes dados com a realidade vivida nos Estados Unidos da América (que já sabemos que é um sonho distante entre outros mil impedimentos), através de um projeto criado pela atual Vice-Presidente dos EUA, Kamala Harris, designado por Back On Track.
O Back On Track (BoT) foi um projeto baseado numa ideia de redenção, mas que se assemelhou a uma recruta, tendo em conta a exigência em que consistia. O Programa compreendia várias vertentes: formação profissional, cursos de preparação para o GED (conjunto de testes que, nos EUA, permitem, em caso de aprovação, a aquisição da escolaridade de nível médio), trabalho comunitário (mais de 200 horas), cursos de preparação para a parentalidade e de literacia financeira, bem como testes de deteção de drogas e terapêuticas farmacológicas.
Exigente e transformador, o Back on Track assentou as suas evidentes exigências numa rede de parceiros que acreditavam que era possível mudar rumos. Desde grandes fábricas, que se disponibilizavam para dar emprego ou ajudar no cumprimento das horas de trabalho comunitário; à Câmara do Comércio, que se dedicava a auxiliar na busca de emprego, aos sindicatos, que agilizavam estágios: foi “preciso uma aldeia” para criar um cidadão cumpridor, onde havia um delinquente.
As condições eram claras e as regras invioláveis: confessavam o crime (não podendo tratar-se de uma reincidência ou de um crime violento), concluíam o programa – em todas as suas vertentes – com sucesso, e no fim as suas acusações seriam arquivadas.
Possível? Viável? Miragem?
Os resultados falaram por si. Ao fim de dois anos de funcionamento do programa, somente 10% dos participantes haviam reincidido, contrastando com os 50% de outros reclusos não participantes que, sendo colocados em liberdade, voltaram ao crime durante esse mesmo período de tempo.
Mais não fosse, e estando nós certos que o dinheiro fala mais alto que qualquer valor, mesmo que seja o da justiça, o Back on Track representou um custo de 5.000€ por participante, contra o custo de €40.000,00 anuais que representa um recluso na cadeia (mesmo que por um crime não violento, sem reincidência), sustentado sabe-se lá pelos impostos de quem.
Viável, possível, executável? Essa reflexão é muito válida e propomos que parta de uma simples frase, retirada do livro “Aquilo em que acreditamos”, de Kamala Harris:
“A prisão tem a sua própria força gravitacional, muitas vezes inelutável”.
Joana dos Santos Prioste
Daniela Sequeira
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