Numa época em que tanto se fala das debilidades da nossa democracia, convém lembrar as suas virtudes.
E, por isso, hoje o assunto recai sobre o papel e a importância do Poder Local, das Autarquias.
Até à Constituição de 1976, fruto da Revolução dos Cravos, não havia em Portugal um verdadeiro poder democrático, descentralizador, centrado na vontade do Povo, promotor de liberdade e autonomia. O Poder Local Democrático foi, pois, porventura, a mais importante das conquistas daquele Abril de 1974, com a criação do conceito de ‘Autarquia Local’, absolutamente diverso do anterior paradigma.
O Poder Local ficou, sempre, até hoje, ligado ao sonho de uma democracia participada e próxima dos cidadãos.
É certo que vivemos tempos difíceis nesta relação entre governantes (locais) e cidadãos/eleitores, com uma perturbadora quebra de confiança nas instituições político-administrativas. Porém, esta realidade não pode deixar de nos obrigar (a todos) a implementar as mudanças necessárias à recuperação daquela confiança e ao aumento da participação dos cidadãos na governação local. Só assim o sonho de Abril poderá tornar-se realidade.
Parte significativa daquele esforço para aproximar os munícipes da vida e das decisões autárquicas passará sempre pelo reconhecimento da importância das Assembleias Municipais, o órgão deliberativo, a verdadeira Casa da Democracia Local.
É nas suas sessões, ordinárias e extraordinárias, de caracter público, que os Eleitos Locais, escolhidos pela população, participam e discutem, pugnando pelos interesses e preocupações do município.
As Assembleias Municipais têm as suas competências, regime e funcionamento, definidos na Lei, designadamente no Regime Jurídico das Autarquias Locais (Lei n.º75/2013, de 12 de Setembro) – Lei que, infelizmente, nem sempre é cabalmente conhecida, compreendida, interpretada e, até, respeitada.
Veja-se o exemplo da ‘Ordem do Dia’: um dos mais elementares recursos para o correcto cumprimento das responsabilidades dos eleitos locais, mas também aquele que, mais frequentemente, se vê envolto em grandes polémicas por incumprimentos vários e variados. Estranhamente, dir-se-ia, já que, nesta matéria, a Lei é clara. A ‘Ordem do Dia’, como qualquer ‘Ordem de Trabalhos’, deve conter todos os assuntos indicados pelos membros do respetivo órgão, desde que sejam da sua competência, cujo pedido haja sido apresentado com a antecedência mínima de cinco dias úteis sobre a data da sessão. Deve, também, ser levada ao conhecimento de todos os Deputados, bem como toda a respectiva documentação, com, pelo menos, dois dias úteis de antecedência sobre a data da reunião, por razões de transparência, lealdade, mas também em cumprimento de um dever de informação, que visa garantir que todos os membros da Assembleia tomem conhecimento dos assuntos a discutir e, assim, estejam aptos a sobre eles deliberar de forma consciente e livre.
Não obstante a clareza da Lei, não será excessivo afirmar que, amiúde e reiteradamente, aqueles prazos não são cumpridos, seja por questões de logística (designadamente por falta de recursos técnicos e humanos de apoio e secretariado), seja por algum tipo de inércia da parte de outros órgãos municipais (em geral, do Executivo). A consequência deste incumprimento é a privação dos Deputados Municipais do conhecimento cabal dos assuntos elencados na Ordem do Dia, impossibilitando-os da adequada preparação para sobre eles deliberar, e acabando, também, muitas vezes, por pôr em xeque o cumprimento dos prazos para as convocatórias das reuniões da Assembleia Municipal (ainda que se sufrague o entendimento de que a convocatória e a entrega da Ordem do Dia não são necessariamente dependentes uma da outra).
Assumindo as Assembleias Municipais um papel tão crucial na nossa Democracia, e sendo também da maior importância a função que cada Deputado encerra neste órgão deliberativo, é mister que a documentação necessária para a adequada discussão de cada ponto da ‘Ordem do Dia’ seja entregue atempadamente, com a devida antecedência, em respeito não apenas pela letra da lei, mas, desde logo, pelo seu espírito, i.e., por razões de transparência e lealdade, em cumprimento do já referido dever de informação.
As Assembleias Municipais são uma instância basilar da vida de qualquer Autarquia e da Democracia Local e, portanto, não podem continuar a ser tratadas como meros figurantes.
É preciso reforçar o Poder Local, sim – estamos todos de acordo. Comecemos, então, pelo princípio: o conhecimento e o respeito pela Lei (a sua letra e o seu espírito). A Lei nunca bastará – em política e na governação da causa pública, não poderemos nunca dispensar a Ética – mas é, sem dúvida, o primeiro passo para qualquer Estado de Direito Democrático.
Filipa P. Silva
Filomena Girão
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