Está em causa a Lei 32/2008 de 17 de Julho relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. São os metadados: meta porque vão além dos dados, acrescentam-lhes informação (ou seja, não são as comunicações em si, mas de onde é que elas foram realizadas, a que horas, por quem, para quem, de que dispositivo). Esta Lei veio transpor a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, que surgiu no contexto das ameaças e ataques terroristas sofridas em alguns Estados-Membros. A Directiva legitimou-se com a segurança nacional e pública, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, e com a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. Pode ler-se: “Visto que a conservação de dados se tem revelado um instrumento de investigação necessário e eficaz de repressão penal em vários Estados-Membros, nomeadamente em matérias tão graves como o crime organizado e o terrorismo, é necessário assegurar que as autoridades responsáveis pela aplicação da lei possam dispor dos dados conservados por um período determinado, nas condições previstas na presente directiva.” Permitiu, pois, durante todos estes anos, que as operadoras de comunicações armazenassem – sem que nós soubéssemos (nós e a CNPD!) como, por quem e onde – os nossos metadados, pelo período de um ano, caso fosse necessária a sua utilização para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio a declarar a invalidade da referida Directiva em acórdão datado de 8 de abril de 2014 (Digital Rights Ireland Ltd e outros, C-293/12 e C-594/12) – repise-se 2014 (há 8 anos!!!) – por violação do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de [do subprincípio da] necessidade. Em 2012 (!!!), a pedido da Provedora de Justiça – foi apreciada a constitucionalidade desta Lei nesta vertente. O Tribunal Constitucional conclui, agora em 2022, pela violação do princípio da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar, ao sigilo das comunicações e a uma tutela jurisdicional efetiva. De um lado, a segurança e a defesa da ordem, do outro, a liberdade individual. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem desenvolvido uma ampla jurisprudência sobre a proteção do acesso a dados de comunicações, afirmando expressamente que os mesmos se encontram abrangidos pela proteção de “vida privada e familiar” ínsita no n.º 1 do artigo 8.º da CEDH. É, de facto, a liberdade – a reserva da intimidade – o valor preponderante. A pretexto do combate ao terrorismo, os estados democráticos tornaram-se estados vigilantes (A era do capitalismo de vigilância, Shoshana Zuboff) ficcionando que cada cidadão é um potencial terrorista. Por outro lado, como vem evidenciando Byung Chul Han, as democracias do século XXI tornaram-se verdadeiros panóticos digitais, em que cada um de nós se torna o seu próprio vigilante, exibindo voluntária e publicamente, e também ao Estado, todas as dimensões da sua vida pessoal e familiar. E onde não há anonimato, não há verdadeiramente reserva da intimidade da vida privada. Regressamos todos, porque queremos, a 1984. Metadiscussão Está em causa a Lei 32/2008 de 17 de Julho relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. São os metadados: meta porque vão além dos dados, acrescentam-lhes informação (ou seja, não são as comunicações em si, mas de onde é que elas foram realizadas, a que horas, por quem, para quem, de que dispositivo). Esta Lei veio transpor a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, que surgiu no contexto das ameaças e ataques terroristas sofridas em alguns Estados-Membros. A Directiva legitimou-se com a segurança nacional e pública, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, e com a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. Pode ler-se: “Visto que a conservação de dados se tem revelado um instrumento de investigação necessário e eficaz de repressão penal em vários Estados-Membros, nomeadamente em matérias tão graves como o crime organizado e o terrorismo, é necessário assegurar que as autoridades responsáveis pela aplicação da lei possam dispor dos dados conservados por um período determinado, nas condições previstas na presente directiva.” Permitiu, pois, durante todos estes anos, que as operadoras de comunicações armazenassem – sem que nós soubéssemos (nós e a CNPD!) como, por quem e onde – os nossos metadados, pelo período de um ano, caso fosse necessária a sua utilização para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio a declarar a invalidade da referida Directiva em acórdão datado de 8 de abril de 2014 (Digital Rights Ireland Ltd e outros, C-293/12 e C-594/12) – repise-se 2014 (há 8 anos!!!) – por violação do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de [do subprincípio da] necessidade. Em 2012 (!!!), a pedido da Provedora de Justiça – foi apreciada a constitucionalidade desta Lei nesta vertente. O Tribunal Constitucional conclui, agora em 2022, pela violação do princípio da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar, ao sigilo das comunicações e a uma tutela jurisdicional efetiva. De um lado, a segurança e a defesa da ordem, do outro, a liberdade individual. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem desenvolvido uma ampla jurisprudência sobre a proteção do acesso a dados de comunicações, afirmando expressamente que os mesmos se encontram abrangidos pela proteção de “vida privada e familiar” ínsita no n.º 1 do artigo 8.º da CEDH. É, de facto, a liberdade – a reserva da intimidade – o valor preponderante. A pretexto do combate ao terrorismo, os estados democráticos tornaram-se estados vigilantes (A era do capitalismo de vigilância, Shoshana Zuboff) ficcionando que cada cidadão é um potencial terrorista. Por outro lado, como vem evidenciando Byung Chul Han, as democracias do século XXI tornaram-se verdadeiros panóticos digitais, em que cada um de nós se torna o seu próprio vigilante, exibindo voluntária e publicamente, e também ao Estado, todas as dimensões da sua vida pessoal e familiar. E onde não há anonimato, não há verdadeiramente reserva da intimidade da vida privada. Regressamos todos, porque queremos, a 1984. Daniela Sequeira Manuel Castelo Branco |
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