A Lei n.º 9/2022, de 11 janeiro e que entrou em vigor no passado dia 11 de abril de 2022, vem estabelecer medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento, transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação conexa.
Pretende-se, assim, com a presente nota informativa, enunciarmos as alterações que consideramos mais relevantes.
1. PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER)
- Proposta de Classificação dos Credores (artigo 17.º-C CIRE)
Para iniciar um PER, além dos elementos que já eram necessários, ficam as grandes empresas obrigadas a apresentar uma proposta de classificação dos credores afetadas pelo plano de recuperação em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados e querendo, de entre estes, refletir o universo de credores da empresa em função da existência de suficientes interesses comuns, designadamente nos seguintes termos: (i) trabalhadores, sem distinção da modalidade do contrato; (ii) sócios; (iii) entidades bancárias que tenham financiado a empresa; (iv) fornecedores de bens e prestadores de serviços; (v) credores públicos.
O juiz, dentro do prazo para decisão de eventuais impugnações da lista de credores apresentadas, pode determinar a sua alteração no caso de as mesmas não refletirem o universo de credores da empresa ou a existência de suficientes interesses comuns entre estes.
- Remuneração do Administração Judicial Provisório (artigo 17.º-C CIRE)
A remuneração do administrador judicial provisório será fixada pelo juiz na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.
Caso a empresa venha a ser declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.
- Impugnação da lista provisória de créditos (artigo 17.º-D CIRE)
A presente lei determina taxativamente quais os fundamentos admissíveis para impugnar a lista provisória de crédito, sendo eles: (i) a indevida inclusão ou exclusão de créditos; (ii) a incorreção do montante, da qualificação, ou da classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns, devendo a impugnação, nos casos de incorreção da classificação dos créditos relacionados, ser acompanhada de proposta alternativa de classificação dos créditos.
- Suspensão das medidas de execução (artigo 17.º-E CIRE)
É a partir da prolação do despacho que nomeia o administrador judicial provisório que fica impedida a instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos, à exceção dos laborais, durante um período máximo de 4 meses, e se suspendem quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.
A lei prevê a possibilidade de prorrogação do prazo de vigência da suspensão, por um mês, caso se verifique uma das seguintes situações:
· Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação;
· A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou
· A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.
Limita-se a possibilidade dos credores recusarem cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente contratos executórios essências em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas, entendendo-se por contratos executórios essenciais, além dos relativos aos serviços públicos essenciais, os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, incluindo quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços cuja suspensão levaria à paralisação da atividade da empresa.
O preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante este período que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, que venha a ser decretada nos 2 anos posteriores ao termo do período de suspensão.
- Menções obrigatórias no plano de recuperação (artigo 17.º-F CIRE)
Aquando do depósito no tribunal da versão final do plano de recuperação, passa a ser obrigatório mencionar, entre outros elementos, as seguintes informações:
· A identificação da empresa e do administrador judicial provisório nomeado;
· A descrição da situação patrimonial, financeira e creditícia da empresa no momento da apresentação da proposta do plano de recuperação, indicando, nomeadamente, o valor dos ativos, e fazendo uma descrição da situação económica da empresa;
· No caso das micros, pequenas e médias empresas, as partes afetadas pelo conteúdo do plano, designadas a título individual e os respetivos créditos ou interesses abrangidos pelo plano de recuperação;
· As partes afetadas pelo conteúdo do plano, designadas a título individual e, se aplicável, repartidas pelas categorias em que tenham sido agrupadas para efeitos de aprovação do plano de recuperação e os valores respetivos dos créditos e interesses de cada categoria abrangidos pelo plano de recuperação;
· As partes, designadas a título individual, repartidas, consoante o caso, por classes nos termos gerais ou por categorias que não são afetadas pelo plano de recuperação, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano proposto não as afeta;
· As condições do plano de reestruturação, incluindo as medidas de reestruturação propostas e sua duração;
· As formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego.
· Os fluxos financeiros da empresa previstos, incluindo plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando, fundamentadamente, os principais pressupostos subjacentes a essas previsões e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de recuperação, são inscritos pelos respetivos valores;
· Qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de recuperação e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano;
· Uma exposição de motivos que contenha a descrição das causas e da extensão das dificuldades da empresa e que explique as razões pelas quais há uma perspetiva razoável de o plano de recuperação evitar a insolvência da empresa e garantir a sua viabilidade, incluindo as condições prévias necessárias para o êxito do plano.
- Aprovação do plano de recuperação (artigo 17.º-F CIRE)
Foram introduzidas alterações ao nível das maiorias necessárias para aprovação do plano de recuperação:
i. No caso em que a empresa apresente proposta de classificação dos credores, seja votado favoravelmente em cada uma das categorias por mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções, obtendo desta forma:
– O voto favorável de todas as categorias formadas;
– O voto favorável da maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma dessas categorias seja uma categoria de credores garantidos;
– Caso não existam categorias de credores garantidos, o voto favorável de uma maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma das categorias seja de credores não subordinados;
– Em caso de empate, o voto favorável de pelo menos uma categoria de credores não subordinados.
ii. Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, 1/3 do total dos créditos relacionados com direito de voto, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
– O voto favorável de mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos;
– O voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contido na lista provisória de créditos;
OU
iii. Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:
– O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista provisória de créditos;
– O voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista provisória de créditos.
- Avaliação da empresa por perito (artigo 17.º-F CIRE)
O juiz pode ordenar a avaliação da empresa por um perito, nos casos em que for pedida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante com fundamento no facto de a situação dos credores ao abrigo do plano ser menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa ou de desrespeito das regras de aprovação.
- Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação (artigo 17.º-G CIRE)
A empresa passa a poder opor-se caso o processo negocial seja concluído sem aprovação do plano de recuperação e o administrador judicial provisório conclua pela insolvência da empresa. Havendo oposição, o juiz determina o encerramento e arquivamento do processo, que acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
- Crédito sobre a massa insolvente (artigo 17.º-H CIRE)
Os credores que, no decurso do processo ou em execução do plano de recuperação, financiem a atividade da empresa, disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, gozam de um crédito sobre a massa insolvente, até um valor correspondente a 25% do passivo não subordinado da empresa à data da declaração de insolvência, caso venha a ser declarada a insolvência da empresa no prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação.
Os créditos disponibilizados acima do valor referido, gozam de um privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio mobiliário geral concedido aos trabalhadores.
2. INSOLVÊNCIA
- Exceção ao dever de apresentação à insolvência (artigo 18.º CIRE)
As pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência e as empresas que se tenham apresentado a processo especial de revitalização durante o período de suspensão das medidas de execução previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º-E, excecionam-se do dever de apresentação à insolvência.
- Publicidade e registo da declaração de insolvência (artigo 38.º CIRE)
A declaração de insolvência para além de ser inscrita no registo predial, passa também a ser inscrita no registo comercial e automóvel relativamente aos bens ou direitos que integrem a massa insolvente, com base em certidão judicial da declaração de insolvência transitada em julgado, se o serviço de registo não conseguir aceder à informação necessária por meios eletrónicos, e em declaração do administrador da insolvência que identifique os bens ou direitos.
- Alargamento dos créditos sobre a insolvência (artigo 47.º-A CIRE)
Passam a constituir créditos sobre a insolvência os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor.
- Créditos subordinados (artigo 48.º CIRE)
Passam a considerar-se créditos subordinados os detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição (ao invés de aquisição), e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos 2 anteriores ao início do processo de insolvência.
- Nulidade de cláusula (artigo 119.º CIRE)
É nula a cláusula que atribua à declaração de insolvência de uma das partes o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira, nesse caso, à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia em termos diversos dos previstos no presente capítulo.
- Venda de bens (artigo 158.º CIRE)
Quanto ao início da venda de bens, logo que transite em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, à semelhança do que já sucedia anteriormente. Contudo, o administrador de insolvência passa a ter de apresentar nos autos, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar para o efeito.
O incumprimento pelo administrador de insolvência da obrigação de apresentar o plano de liquidação de venda ou o incumprimento do mesmo com culpa grave são considerados justa causa para o juiz decretar a destituição do mesmo.
- Modalidades da alienação (artigo 164.º CIRE)
Nos casos em que um credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, a proposta só é eficaz se for acompanhada, a título de caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10% do montante da proposta (ao invés de 20%).
- Rateios parciais (artigo 178.º CIRE)
É obrigatória a realização de ratios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente sempre que, cumulativamente se verifique as situações previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 178.º. Nestes casos, o administrador da insolvência elabora o mapa de rateio e procede à sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem que considere justificados.
- Rateio final (artigo 182.º CIRE)
Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma.
Decorrido o prazo de 15 dias, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta.
- Menções obrigatórias no plano de insolvência (artigo 195.º CIRE)
Aquando do depósito no tribunal da versão final do plano de insolvência, passa a ser obrigatório mencionar, entre outros elementos, as seguintes informações:
i. As formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego, designadamente despedimentos, redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho;
ii. A indicação dos credores que não são afetados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afeta;
iii. Qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de insolvência e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano.
- Aprovação da proposta de plano de insolvência (artigo 212.º CIRE)
A proposta de plano de insolvência é aprovada estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, 1/3 do total dos créditos com direito de voto, e sejam recolhidos mais de 50% da totalidade dos votos emitidos (ao invés de 2/3) e, nestes, estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto, não se considerando como tal as abstenções.
- Exoneração do passivo restante (artigo 235.º CIRE)
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos 3 anos posteriores ao encerramento deste (ao invés de 5 anos).
3. REGIME TRANSITÓRIO
A presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor (11/04/2022).
O disposto na lei relativamente aos processos especiais de revitalização apenas se aplica aos instaurados após a sua entrada em vigor.
Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período, com a entrada em vigor da lei.
Não prejudica, no entanto, a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.